Entrevista a Rui Fragoso

No âmbito da XVII edição das Jornadas de Gestão, subordinado ao tema "“Indústria 4.0”, falamos com Rui Fragoso, diretor do Departamento de Gestão da Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora, investigador do Centro de Estudos e Formação Avançada em Gestão e Economia (CEFAGE) e do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM) da mesma Universidade.

O professor de Gestão da UÉ considera que, apesar da posição de Portugal no que respeita à competitividade digital não ser a mais confortável, “em grande parte devido à pouca apetência dos recursos humanos para o digital num número grande de empresas”, considera que o nosso país “tem apresentado nos últimos anos taxas de crescimento nesta matéria assinaláveis”, encontrando benefícios deste processo para as PME`s nacionais, por “criar condições para que estas se possam inserir em ecossistemas colaborativos e integrar nas cadeias de valor qualificadas das grandes empresas”.

Universidade de Évora (UÉ): Como é hoje o perfil do gestor de sucesso e quais as caraterísticas essenciais?

Rui Fragoso (RF): Nos últimos anos, a sociedade, as organizações e os negócios transformaram-se profundamente, num processo que continua a aprofundar-se sem precedentes na nossa História. Atualmente, o perfil de um gestor de sucesso é muito mais do que um indivíduo com as qualificações técnicas adequadas. Para além destes conhecimentos, exige-se um perfil de flexibilidade, atitude, liderança, perseverança e inquietude. Atualmente é frequente dizer que um gestor de sucesso deve reunir seis caraterísticas fundamentais que incluem: O autoconhecimento, ou seja, a capacidade de reconhecer as suas limitações e os seus pontos fortes; Capacidade de liderança, na medida em que as pessoas nas organizações hoje não são mandadas, mas sim guiadas, coordenadas e motivadas; Capacidade se envolver com os outros, i.e., a capacidade de dar e receber feedback; Boa comunicação, é muito importante comunicar de forma eficaz e a capacidade de gerir e resolver conflito

 

: Quais são os pilares da indústria 4.0?

RF: A indústria 4.0 é um fenómeno que surgiu na Alemanha no início desta década e foi promovido pelas grandes empresas no sentido de se protegerem da concorrência cada vez mais forte da Ásia e dos Estados Unidos. A indústria 4.0 pretende reduzir custos e aumentar a produtividade dos fatores, recorrendo a várias inovações tecnológicas, tendo por objetivo a produção de produtos personalizados em larga escala, aumentar a diversidade de produtos, bem como a rapidez com que chegam ao mercado. Essas inovações tecnológicas articuladas entre si constituem os 9 pilares da indústria 4.0, que incluem a análise de grande quantidade de dados; A incorporação de robots inteligentes nos processos industriais; Simulação, para análise de dados em tempo real e deste modo aproximar o mundo real do mundo virtual; Integração de sistemas; Internet das coisas, para permitir a troca rápida de informações; Cloud compunting, para permitir a partilha de grandes quantidades de dados; Produção ou manufatura aditiva, que envolve a produção de peças a partir de camadas sobrepostas, é a impressão 3D e a realidade aumentada, em que os objetos do mundo real são enriquecidos com informação perspetiva criada por computadores.

 

: “A Indústria 4.0 ou a Quarta Revolução Industrial é impulsionada pelas tecnologias inovadoras que causam efeitos profundos, quer nos sistemas de produção quer nos modelos de negócio”. Que efeitos são estes e em que medida alteram a dinâmica das organizações/empresas?

RF: A indústria 4.0, também designada de 4ª revolução industrial, já está em curso e alguns comparam-na à primeira revolução industrial em termos das alterações que poderá promover ao nível do paradigma vigente. No entanto, é necessário não esquecer que na realidade o que se assistiu nas sucessivas revoluções industriais (máquina a vapor, produção em massa, revolução digital e novas tecnologias de informação e indústria 4.0) não foi mais do que o aperfeiçoamento das máquinas e por conseguinte a melhoria dos produtos e dos processos. Portanto, nas organizações vamos assistir a alterações na gestão, quer ao nível estratégico, quer ao nível operacional, bem como nos recursos humanos, dado que há tarefas que vão desaparecer e novas que vão surgir.

Estas alterações traduzir-se-ão em efeitos positivos e negativos para as organizações. Nos efeitos positivos, podemos para já identificar o reposicionamento da importância da visão estratégica nos negócios, a redução de custos, a inovação organizacional e dos processos, a melhoria da qualidade dos produtos, o aumento da flexibilidade e da capacidade de resposta. Estes efeitos positivos têm também consequências positivas para os consumidores que passam a poder dispor de produtos personalizados a custo relativamente baixo.

Em termos de efeitos negativos, podemos identificar a intensificação de algumas fontes de incerteza, nomeadamente, ligadas a questões de segurança relacionadas com ciberataques, espionagem, bem como a concentração de poder nos tecnocratas que dominam a tecnologia vigente. Outro efeito negativo tem a ver com a intensificação da concorrência e com a comoditização mais rápida dos processos de inovação, ou seja vamos ter produtos com ciclos de vida ainda mais curtos e por conseguinte uma concorrência ainda mais feroz.

 

: Está o mercado de trabalho do nosso país adaptado a esta "nova" realidade? E quando comparado com a realidade europeia?

RF: A indústria 4.0 tem tudo a ver com a economia digital. No ranking da competitividade digital a posição de Portugal não é muito confortável, em grande parte devido à pouca apetência dos recursos humanos para o digital num número grande de empresas. No entanto, o nosso País tem apresentado nos últimos anos taxas de crescimento nesta matéria assinaláveis e que a própria indústria 4.0 veio também impulsionar.

Há também ilhas importantes na indústria portuguesa que já ocupam uma posição de destaque na indústria 4.0, como é o caso dos fornecedores da indústria automóvel e de fornecimento de certos equipamentos industriais, que já integram, nomeadamente, nos processos de internacionalização muitos dos conceitos da indústria 4.0. Para além disso, o próprio Governo está desperto para o fenómeno, tendo já anunciado um conjunto de medidas sobre o tema.

De fato o número de empresas portuguesas que se encontram num nível de digitalização avançado é relativamente reduzido, mas a situação ao nível da digitalização avançada que é a que mais interessa em termos da indústria 4.0, não é muito diferente da situação europeia. Inclusivamente, apesar das dificuldades, podemos considerar que Portugal poderá num futuro próximo estar relativamente bem alinhado neste processo, dado que se prevê para os próximos cinco anos um aumento significativo do número de empresas portuguesas com um nível de digitalização avançado. Além disso, Portugal dispõe de tecnologia digital instalada com algumas ilhas de excelência e em muitos casos estamos a falar de investimentos relativamente reduzidos.

 

: Como podem sobreviver as PME`s neste processo? Quais os prós e contras?

RF: É verdade que o fenómeno da indústria 4.0 foi desencadeado pelas grandes empresas. No entanto, as PMEs podem beneficiar imenso, como já beneficiaram com a revolução digital no final do século passado. A indústria 4.0 permite melhorar substancialmente os processos das PMEs a um custo relativamente reduzido, dado que estamos a falar de soluções tecnológicas com grande alcance, mas com custos de investimento e de manutenção bastante reduzidos. Inclusivamente a indústria 4.0 cria condições às PMS para que estas se possam inserir em ecossistemas colaborativos e integrar nas cadeias de valor qualificadas das grandes empresas. Nesta perspetiva, as PMEs podem oferecer proposições de valor baseadas na qualidade e diferenciação dos seus produtos a baixo custo e em práticas assentes na gestão e incorporação de conhecimento e inovação. Portanto, a indústria 4.0 é também uma oportunidade de que as PMEs podem beneficiar para crescer e internacionalizarem-se e, por conseguinte, consolidarem as suas posições nos mercados. Os contras da indústria 4.0 para as PMEs têm muito a ver com os efeitos negativos da indústria 4.0 já referidos anteriormente e com os riscos inerentes à sincronização e coordenação dos agentes nas cadeias de valor, onde o poder negocial das PMEs continuará ser inferior ao das grandes empresas.

 

: Que papel cabe ao Ensino Superior neste domínio, seja no âmbito do ensino, seja no âmbito da investigação?

RF: Muitas das ideias que são subjacentes ao conceito de indústria 4.0 não propriamente novas. No caso da gestão, a maior parte das ideias e dos conceitos apareceram na década de 90 do século passado. No entanto, não foram operacionalizados porque não existia tecnologia que os materializasse. Muitas das tecnologias que hoje tornam possível materializar a indústria 4.0 foram desenvolvidos nas universidades no âmbito de projetos de investigação e de processos de transferência de tecnologia e de conhecimento. Neste caso, estamos a falar propriamente das áreas da engenharia. Na gestão tem-se feito alguma investigação ao nível da eficácia e da eficiência dos processos, bem como na identificação e quantificação de fatores determinantes de certos fenómenos e comportamentos. Ao nível do ensino da gestão, como disse anteriormente muitas das ideias não são propriamente novas e como tal, muitos dos conceitos de gestão associados hoje à indústria 4.0 já há muito que são ensinados no âmbito de várias disciplinas. No entanto, há que fazer ajustamentos, para posicionar estes conceitos de acordo com os desafios da indústria 4.0, mudando perspetivas, enquadramentos, eventualmente trocando conteúdos de disciplinas, mas é necessário sobretudo mudar a filosofia do ensino de um paradigma assente em disciplinas compartimentadas para um paradigma holístico e integrado.

 

: Quais as principais conclusões saídas das jornadas!

RF: As Jornadas de Gestão são um projeto do Departamento Gestão destinado aos nossos alunos de Gestão, no sentido de confrontar com situações e pessoas do “mundo real”, onde eles se vão tornar protagonistas ativos quando acabarem a sua formação. Num primeiro momento eram participadas fundamentalmente por alunos dos cursos de Gestão. Hoje já não é exatamente assim. Dada a importância dos temas tratados, as Jornadas de Gestão são atualmente um projeto da Universidade, que tem interesse para todas as formações, desde a Gestão às Engenharias, passando por outros cursos, tanto da Escola de Ciências Sociais, como da Escola de Artes ou até mesmo da Escola de Enfermagem.

Nas Jornadas de Gestão discute-se sempre um tema da atualidade, através da realização de conferências, mesas redondas e da atribuição reconhecimentos a entidades e personalidades (antigos alunos e os melhores alunos) que de alguma forma se destacaram pela sua atividade e/ou foram de certo modo embaixadores daquilo que a Universidade de Évora e em particular o Departamento de Gestão têm de melhor.

Em relação a estas XVII Jornadas de Gestão, para além de terem decorrido dentro da normalidade, com uma elevada participação dos alunos, trouxeram à Universidade um conjunto de personalidades interessantes, que partilharam o seu conhecimento e as suas experiências, admiraram o nosso trabalho e a beleza da nossa Universidade e deixaram desafios e ideias de projetos e de colaborações para o futuro. Outra conclusão que se tirou destas Jornadas é que o ensino da Gestão da Universidade de Évora é de qualidade e está atualizado, a julgar pelas matérias que são abordadas nas nossas UCs e por aquilo que são os conhecimentos a que apelam os desafios do futuro. No entanto, há também uma lição a tirar que se prende com a necessidade de manter uma dinâmica de inovação, que nos leve a promover os ajustamentos necessários para nos mantermos atualizados e relevantes no panorama do ensino da Gestão em Portugal.

 

Publicado em 08.10.2019
Fonte: GabCom | UÉ